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Leonardo Vieira Wandelli
cultura. Talvez com o mesmo espanto com que se descreveram os primeiros
casos de pneumoconiose ocupacional, percebe-se que formas de organização
do trabalho aparentemente normais, modernas e até, para alguns, com um
certo charme, podem ser, além de ética e politicamente reprováveis, tão
patogênicas quanto uma mina de carvão inglesa do século XVIII.
Os métodos da gestão neoliberal não são sustentáveis, porque
destroem as condições para a cooperação entre os trabalhadores, para a
dinâmica contribuição-reconhecimento e para as práticas deliberativas
formais e informais que formam a base normativa invisível de todo coletivo
de trabalho. Além disso, eles obrigam as pessoas a se distanciar cada vez mais
de valores compartilhados em torno do sentido de um trabalho bem-feito
e que incluam valores cívicos de participação para o bem comum, para a
cultura e a cidade.
Então, além de perder o acesso aos recursos estruturantes do
trabalho para a subjetividade, as pessoas veem-se compelidas a participar
de práticas de trabalho que elas mesmas reprovam. Isso implica trair-se 211
a si mesmo, agigantando o sofrimento ético. Esta é uma forma especial
de sofrimento que jamais se transforma em prazer, com alto potencial
patogênico. A permanência no sofrimento induz a um sem-número de
estratégias individuais e coletivas de defesa psíquica para conviver como
ele. Individualmente, a principal estratégia são os antolhos voluntários,
ou cegueira ética localizada: me recuso a ver o sofrimento do outro no
trabalho e sigo adiante. Trata-se de uma clivagem ética, pois “pessoas de
bem” aceitam no trabalho um comportamento que em princípio não teriam
no clube ou no condomínio em que residem. Coletivamente, as estratégias
de defesa podem tomar a forma de antagonismos entre grupos (guerras de
clãs) e ideologias defensivas: aqueles que colocam em risco as defesas do
grupo passam a ser encarados como inimigo comum. Daí nascem os casos
de assédio estratégico do tipo do clássico mobbing, que são um subproduto
da degradação organizacional.
Como consequência, tem-se não só a degradação do trabalhar, da
saúde, da convivência, como da capacidade de ação pública dos indivíduos
isolados, competitivos e alijados dos próprios valores em sua prática, quando
não tomados pelo cinismo, pela depressão e outros transtornos, podendo-
a
Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12 Região | v.27 n. 36 2024