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CONCEITO DE ASSÉDIO MORAL ORGANIZACIONAL: OS DIREITOS FUNDAMENTAIS AO TRABALHO,
À SAÚDE E AO MEIO AMBIENTE SAUDÁVEL NA TUTELA DA ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO
e do medo pelo despedimento, pela exclusão, pelo desligamento da
plataforma e, com ele, o desamparo, o descenso social e a miséria, como
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estratégia de dominação e de gestão. O medo, embora seja um fator de
mobilização, é um dos principais fatores patogênicos para transtornos
mentais e psicossomáticos. E, hoje, o número de pessoas atingidas pela
disseminação do medo – que a pandemia parece ter acentuado e deixado
no ar –, mas que se associa à situação de desproteção jurídica e econômica
do trabalho que o neoliberalismo já vinha construindo, revela-se nos
números de transtornos mentais comuns e adoecimentos que já se
consideram ultrapassando em muito os infectados pela COVID-19. O
trabalho não é um fator secundário dessa dinâmica.
O quinto dispositivo é o golpe comunicacional. O uso deliberado
de uma comunicação publicitária voltada principalmente para o público
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interno, que serve de justificação e de racionalização das medidas anteriores .
Ele deslegitima a linguagem dos saberes do trabalho e substitui por uma
descrição artificial, como a novilíngua de George Orwell. Trabalhador vira
210 colaborador, tem de ser proativo. Companheiros de uma mesma empresa
“compram e vendem” serviços e produtos dos colegas. A descrição do
trabalho se reduz aos números. Bloqueia-se com isso o acesso, a dizibilidade
do real do trabalho. E então se introduz uma narrativa que justifica tudo
o que ocorre como inevitável, por imperativos de realismo econômico ou
político. Aceitar como inevitável serve de estratégia defensiva na qual os
trabalhadores se agarram. O pensamento crítico então é interditado. É
preciso não pensar naquilo que se faz e o discurso de justificação ajuda nisso.
No Poder Judiciário, o vocabulário da Justiça vai sendo substituído pelo
vocabulário da gestão e as considerações qualitativas sobre o bom trabalho
são substituídas por aspectos quantitativos.
Ante essa grande onda de transformações, disseminam-se situações
de trabalho tecnicamente antissublimatórias. O resultado visto nas últimas
décadas foi a escalada incessante dos adoecimentos psíquicos no trabalho,
do cinismo defensivo e da degradação ética, com danos para a civilidade e a
60 AREOSA, João. O meu chefe é um algoritmo: reflexões preliminares sobre a uberização do
trabalho. Rev. Segurança Comportamental, n. 14, 2021, p. 55.
61 DEJOURS, Christophe. A banalização da injustiça social, op. cit.