Page 203 - Revista TRT-SC 036
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Leonardo Vieira Wandelli

              em grande medida, deliberar sobre os padrões e regras – formais, informais
              e mesmo tácitos – relativos à infinidade de aspectos técnicos – o produzir – e
              éticos – o viver juntos –, que estruturam as relações de trabalho. Participar
              dessa atividade também é uma forma notável de contribuição à coletividade,
              a ser reconhecida. Bem assim, em havendo conflitos concretos, é preciso
              que haja arbitramentos dos dissensos, o que envolve relações de autoridade,
              que nada mais é que uma forma de cooperação vertical. Essa é a dimensão
              prático-moral do trabalho a que Dejours chama de atividade deôntica do
              fazer. A consolidação no tempo desses padrões em torno de uma profissão
              ou ofício estável forma o ethos profissional, recurso essencial à sublimação.
                       Não é possível aprofundar aqui o estudo concreto das condições
              para a cooperação, sobre a qual se assentam a atividade deôntica e a dinâmica
              contribuição-reconhecimento, senão de forma indicativa. Elas implicam
              requisitos de visibilidade dos diferentes modos operatórios aos demais. Mas,
              sobretudo, depende-se de estabelecerem-se relações de lealdade e confiança,
              inclusive entre os níveis hierárquicos, para que as vicissitudes do real do trabalho
              e os modos operatórios sejam confrontados e discutidos. Isso engloba também   203
              que haja espaços e tempos disponíveis – informais e institucionalizados – para
              que se possa falar livremente, escutar e deliberar sobre a (re)interpretação
              das regras de trabalho, baseando-se no conhecimento do real. E essa prática
              deliberativa se apoia em arbitramentos de conflitos pela autoridade que é uma
              especial forma de cooperação vertical, em sentido ascendente e descendente,
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              que se legitima pelo saber sobre o real do trabalho . A higidez dessas condições
              constitui a qualidade do ambiente de trabalho em sua dimensão organizacional,
              como mediação essencial para quem vive o trabalho.

                       Mas, assim como se pode degradar um rio, a qualidade do ar ou
              a organização do espaço de uma cidade, piorando as condições de vida
              nesses ambientes, também a organização do trabalho pode ser afetada
              por medidas que a degradam como um médium essencial para a saúde, o
              desenvolvimento da personalidade e outros direitos fundamentais daqueles
              que trabalham. As modalidades de organização do trabalho que obstruem
              essas condições inviabilizam os processos sublimatórios, podendo chegar a
              descompensações mesmo ao suicídio de trabalhadores.



              45  DEJOURS, Travail vivant 2: travail et emancipation, op. cit., p. 77-80.
                                                                    a
                                           Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12  Região | v.27 n. 36 2024
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