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Leonardo Vieira Wandelli
em grande medida, deliberar sobre os padrões e regras – formais, informais
e mesmo tácitos – relativos à infinidade de aspectos técnicos – o produzir – e
éticos – o viver juntos –, que estruturam as relações de trabalho. Participar
dessa atividade também é uma forma notável de contribuição à coletividade,
a ser reconhecida. Bem assim, em havendo conflitos concretos, é preciso
que haja arbitramentos dos dissensos, o que envolve relações de autoridade,
que nada mais é que uma forma de cooperação vertical. Essa é a dimensão
prático-moral do trabalho a que Dejours chama de atividade deôntica do
fazer. A consolidação no tempo desses padrões em torno de uma profissão
ou ofício estável forma o ethos profissional, recurso essencial à sublimação.
Não é possível aprofundar aqui o estudo concreto das condições
para a cooperação, sobre a qual se assentam a atividade deôntica e a dinâmica
contribuição-reconhecimento, senão de forma indicativa. Elas implicam
requisitos de visibilidade dos diferentes modos operatórios aos demais. Mas,
sobretudo, depende-se de estabelecerem-se relações de lealdade e confiança,
inclusive entre os níveis hierárquicos, para que as vicissitudes do real do trabalho
e os modos operatórios sejam confrontados e discutidos. Isso engloba também 203
que haja espaços e tempos disponíveis – informais e institucionalizados – para
que se possa falar livremente, escutar e deliberar sobre a (re)interpretação
das regras de trabalho, baseando-se no conhecimento do real. E essa prática
deliberativa se apoia em arbitramentos de conflitos pela autoridade que é uma
especial forma de cooperação vertical, em sentido ascendente e descendente,
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que se legitima pelo saber sobre o real do trabalho . A higidez dessas condições
constitui a qualidade do ambiente de trabalho em sua dimensão organizacional,
como mediação essencial para quem vive o trabalho.
Mas, assim como se pode degradar um rio, a qualidade do ar ou
a organização do espaço de uma cidade, piorando as condições de vida
nesses ambientes, também a organização do trabalho pode ser afetada
por medidas que a degradam como um médium essencial para a saúde, o
desenvolvimento da personalidade e outros direitos fundamentais daqueles
que trabalham. As modalidades de organização do trabalho que obstruem
essas condições inviabilizam os processos sublimatórios, podendo chegar a
descompensações mesmo ao suicídio de trabalhadores.
45 DEJOURS, Travail vivant 2: travail et emancipation, op. cit., p. 77-80.
a
Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12 Região | v.27 n. 36 2024