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Leonardo Vieira Wandelli

              que vão sendo cooperativamente transformadas. Assim, pode-se dizer que os
              trabalhadores são constituídos e ao mesmo tempo constituem a organização
              do trabalho. Nesse sentido, ela não apenas organiza a produção, mas produz
              subjetividades. E subjetividades que podem tanto ser tensionadas rumo
              à competição, ao individualismo, ao cinismo adaptativo e à desafecção
              política, quanto rumo à cooperação, à conjuração da violência, à ação
              pública e participação na vida da polis. Com isso, mostra-se a centralidade
              também política da organização do trabalho .
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                       Contudo, as escolhas empresariais quanto às opções de gestão
              são determinantes para a criação de cenários favoráveis ou desfavoráveis a
              essa vivência intersubjetiva . Como visto, trabalhar significa mobilizar
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              e aplicar todas as capacidades individuais e coletivas, indo muito além
              daquilo que foi expressamente determinado pelo chefe, pelos manuais,
              pelas prescrições, muitas vezes subvertendo ou descumprindo os
              manuais, para dar conta do imprevisível que surge em toda situação de
              trabalho real. Por isso há uma distância insuprimível entre o prescrito,
              a tarefa a realizar e a atividade efetiva, no plano individual, e entre   199
              coordenação e cooperação, no plano coletivo. Esse vão é o lugar da
              contribuição do trabalho vivo.

                       Mas a nossa tentativa de domínio sempre se frustra, fracassa,
              diante da resistência do real. O real são os materiais e instrumentos de
              trabalho, são as outras pessoas com quem trabalhamos, colegas, chefes,
              subordinados, usuários e clientes e, ademais, a nossa própria subjetividade,
              o nosso corpo. Trabalhar é trabalhar sobre o mundo objetivo, com os
              outros e sobre si mesmo. Em todas essas esferas, é afetivamente, pelo
              corpo, que experimentamos a frustração, a impotência, diante da
              resistência do real à nossa tentativa de domínio. Por isso, todo trabalho
              envolve sofrimento.
                       O sofrimento, pelo qual se toma conhecimento do real, é inerente
              ao trabalho, mas ele não é em si algo danoso. O sofrimento pode tanto
              ser patogênico, como ser um impulso para a um enriquecimento da


              36  DEJOURS, Christophe. Travail vivant 2: travail et emancipation, op. cit.
              37  SZNELWAR, Laerte I. Quando trabalhar é ser protagonista e o protagonismo do trabalho.
              São Paulo: Bluche, 2013.
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                                           Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12  Região | v.27 n. 36 2024
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