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Leonardo Vieira Wandelli
cultura do assédio é a cultura da instrumentalização estratégica das pessoas
para que elas atinjam os objetivos a qualquer custo. E essa cultura anda
de mãos dadas com a exacerbação da competitividade entre colegas, com
o estabelecimento de relações de desconfiança, com a ruptura do vínculo
ético e técnico dos trabalhadores com o trabalho bem-feito, vínculo este
substituído pelo controle de resultados quantificáveis. Essa ambiência acaba
desembocando na convivência tolerante com diversas condutas e práticas de
violência, injustiça e menosprezo do outro.
Aderir à “loucura da norma”, ou seja, deixar de opor resistência à
destruição que os métodos de gestão podem produzir sobre os valores da
profissão, é uma alternativa que produz efeitos individuais e organizacionais
que são o adubo em que germinam as práticas de assédio. Perceber-se
omitindo-se ou mesmo colaborando diante de algo que ofende valores que
se adquiriu com esforço, exige dos sujeitos estratégias individuais e coletivas
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de proteção diante do sofrimento ético que essa vivência engendra . É
tão desastroso, por exemplo, para um juiz laborioso substituir os valores
qualitativos da justiça, no duplo sentido de fazer o seu melhor diante 183
da singularidade do caso e de contribuir para um aprimoramento das
relações sociais, pela vazia persecução de metas numéricas de quantidades
e velocidades de atos processuais, quanto é desastroso para a fauna e a flora
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a degradação da qualidade da água de um rio . Um tipo de degradação que
hoje é vivenciada em praticamente todas as profissões. Quando se vivencia
esse impacto, é muito difícil não ceder, ver os colegas cederem, ver-se
impotente, isolado. Participar disso gera sofrimento e exige estratégias
de defesa psíquica que protejam da desestabilização. E essas estratégias
serão o ensejo de processos de banalização da violência, a qual se torna
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cada vez menos percebida e contestada . O que as pesquisas das clínicas
do trabalho hoje mostram à exaustão é que a degradação da organização
13 DEJOURS, Christophe. Ce qu’il y a de meilleur en nous: travailler e honorer la vie. Paris:
Payot, 2021.
14 Sobre os impactos da introdução de métodos de avaliação individualizada de performance no
trabalho judicial, vide a pesquisa que realizamos entre juízes e servidores do TRT do Paraná, in
WANDELLI, Leonardo V., SZNELWAR, Laerte I., TAVARES Luciana M. (coord.). Justiça em
Corpos: pesquisas em Psicodinâmica do Trabalho no Poder Judiciário. Leme, Mizuno, 2022.
15 DEJOURS, Christophe. A banalização da injustiça social, op. cit.
Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12 Região | v.27 n. 36 2024
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