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Leonardo Vieira Wandelli

              conivência com a violência e o assédio. Neste último caso, a participação
              essencial dos agentes estatais dá-se por meio da omissão deliberada da
              atuação fiscalizadora e protetiva e por medidas estatais que fortalecem o
              domínio privado e mesmo a ilegalidade .
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                         Tem-se,  então,  a  atual  vertente  hegemônica  da  governança
              neoliberal, como estratégia de governo da população e transformação do
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              trabalho vivo em valor para o capital . Com ela, eleva-se uma grande onda
              de degradação do ambiente de trabalho, esse que é uma mediação essencial
              para necessidades humanas de autorrealização e de conquista da saúde .
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              São vivenciadas, pois, condições ambientais poluídas, ou seja, a organização
              do trabalho como bem indispensável à sadia qualidade de vida (art. 225 da
              Constituição) é degradada, do ponto de vista das necessidades humanas de
              quem trabalha, amplificando os riscos e os danos para quem trabalha.
                       Situar adequadamente o fenômeno do assédio moral em seu
              contexto de realidade  é essencial, tanto  para a sua conceitualização  e
              teorização, nomeando e identificando com precisão os diferentes aspectos
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              8  Nesse sentido, Adriane Reis de Araújo identifica um terceiro nível de assédio moral estrutural
              ou institucional, perpetrado pela atuação do Estado, cerceando os instrumentos de fiscalização
              e de acesso à Justiça e inclusive legislando de forma assediadora ao aumentar a incerteza sobre
              os direitos ou rebaixá-los, como é exemplo a reforma trabalhista de 2017, pela qual o direito do
              trabalho se soma “ao poder de opressão do empregador, intensificando a percepção de domínio
              de uma classe sobre outra. (...) Sob a pecha de flexibilizar e facilitar as relações de trabalho, as
              políticas e decisões governamentais invadem todos os espaços sociais e facilitam a reprodução
              de maneira invisível e reflexa do assédio moral organizacional e interpessoal”. ARAÚJO,
              Adriane Reis de. Os três níveis de assédio moral no trabalho. Revista do Ministério Público do
              Trabalho do MS, n. 11 (2018). Campo Grande, PRT-24, p. 14-34.
              9  Tem-se, aí, uma inesperada aproximação de abordagens tão díspares como as de Foucault e
              Marx, apesar das enormes divergências. Se, para Marx, o capital é uma totalidade a produzir
              valor subsumindo o trabalho vivo, o neoliberalismo põe a corporalidade humana, individual e
              coletivamente considerada – o trabalho vivo –, no centro do conflito social de poder biopolítico,
              no sentido de Foucault. A tendente subsunção real do trabalho vivo em toda a sua extensão
              se torna estratégia fundamental. Trata-se de uma guerra que cuida de disciplinar e adestrar os
              corpos bem como controlar e normalizar as populações para governá-los segundo as necessidades
              de maximização da produção de valor do capital em crise. Ainda que esse seja o pano de fundo
              indispensável aos processos de assédio organizacional, considera-se, diferentemente de Adriane
              Araújo, pouco producente do ponto de vista epistêmico reduzir essa dimensão da guerra sobre
              os corpos e populações a uma “terceira forma” ou “nível” de assédio moral.
              10   WANDELLI,  Leonardo Vieira.  O direito humano e fundamental ao trabalho:
              fundamentação e exigibilidade. São Paulo: LTr, 2012.
                                                                    a
                                           Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12  Região | v.27 n. 36 2024
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