Page 177 - Revista TRT-SC 036
P. 177

Leonardo Vieira Wandelli

              mecanismo – sejam como peças de uma máquina, sejam como softwares
              reprogramáveis – que age sobre a corporalidade de todos e de cada um,
              transpondo paulatinamente aqueles limites e promovendo a alienação
              do próprio ser humano genérico. Mais, ainda! É o grito que pulsa sem
              cessar nas cadeias de comando da produção e que hoje se concentram
              sobretudo  em  extrair  o  máximo  dos  recursos  psíquicos,  cognitivos  e
              morais do trabalho vivo. Sim, porque, embora ainda haja muitas situações
              de superexigência física, as transformações tecnológicas, organizacionais e
              econômicas conduziram o foco principal das tensões no trabalho para a
              sobrecarga psíquica, aí incluídos os recursos subjetivos, cognitivos e éticos,
              que o capital não produz, mas dos quais depende.

                       As formas de organização do trabalho cada vez mais dominadas
              pela virada gestionária, cirurgicamente criticada por Christophe Dejours
              e reduzidas à governança por números, magistralmente analisada por
                          6
              Alain Supiot , maximizam a exploração dos recursos psíquicos e éticos,
              ao preço da desestabilização dos recursos que sustentam a subjetividade
              no trabalho. Vale considerar que o zelo e a cooperação, agregados ao   177
              processo,  não  são  programáveis,  como  os  computadores.  Os  sujeitos
              precisam mobilizá-los voluntariamente e esse é o foco e o limite da
              governança.  Além  disso,  como  nos  mostra  Dejours,  é  preciso  gerir  o
              sofrimento ético de participar de práticas de trabalho moralmente
              reprováveis para os próprios sujeitos. O deslocamento do sentido de
              fazer um trabalho bem-feito, do ponto de vista técnico e ético, para a
              mera gestão por resultados quantitativos fomentados pela competição e
              pelo medo, engendra práticas que violam valores desses profissionais e
              produz impactos deletérios sobre a subjetividade e as relações coletivas.
              Isso impõe aos sujeitos adotar estratégias individuais e coletivas de defesa
                                                                             7
              para manterem-se psiquicamente estáveis e continuar produzindo .


              6  SUPIOT, Alain. Gouvernance par les nombres. Cours au Collège de France (2012-2014).
              Paris, Fayard, 2015. Para Dejours, a governança por números, de Supiot, expressa-se, do ponto
              de vista subjetivo, pela « loucura da norma » que é a própria destruição das regras técnicas
              e éticas do trabalho bem-feito. DEJOURS, Christophe. Ce qu’il y a de meilleur en nous:
              travailler et honorer la vie. Paris: Payot, 2021.
              7  DEJOURS, Christophe. A banalização da injustiça social. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV,
              2000. DEJOURS, Christophe.Travail vivant 2: travail et émancipation. Paris: Payot, 2009.
                                           Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12  Região | v.27 n. 36 2024
                                                                    a
   172   173   174   175   176   177   178   179   180   181   182