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Leonardo Vieira Wandelli
mecanismo – sejam como peças de uma máquina, sejam como softwares
reprogramáveis – que age sobre a corporalidade de todos e de cada um,
transpondo paulatinamente aqueles limites e promovendo a alienação
do próprio ser humano genérico. Mais, ainda! É o grito que pulsa sem
cessar nas cadeias de comando da produção e que hoje se concentram
sobretudo em extrair o máximo dos recursos psíquicos, cognitivos e
morais do trabalho vivo. Sim, porque, embora ainda haja muitas situações
de superexigência física, as transformações tecnológicas, organizacionais e
econômicas conduziram o foco principal das tensões no trabalho para a
sobrecarga psíquica, aí incluídos os recursos subjetivos, cognitivos e éticos,
que o capital não produz, mas dos quais depende.
As formas de organização do trabalho cada vez mais dominadas
pela virada gestionária, cirurgicamente criticada por Christophe Dejours
e reduzidas à governança por números, magistralmente analisada por
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Alain Supiot , maximizam a exploração dos recursos psíquicos e éticos,
ao preço da desestabilização dos recursos que sustentam a subjetividade
no trabalho. Vale considerar que o zelo e a cooperação, agregados ao 177
processo, não são programáveis, como os computadores. Os sujeitos
precisam mobilizá-los voluntariamente e esse é o foco e o limite da
governança. Além disso, como nos mostra Dejours, é preciso gerir o
sofrimento ético de participar de práticas de trabalho moralmente
reprováveis para os próprios sujeitos. O deslocamento do sentido de
fazer um trabalho bem-feito, do ponto de vista técnico e ético, para a
mera gestão por resultados quantitativos fomentados pela competição e
pelo medo, engendra práticas que violam valores desses profissionais e
produz impactos deletérios sobre a subjetividade e as relações coletivas.
Isso impõe aos sujeitos adotar estratégias individuais e coletivas de defesa
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para manterem-se psiquicamente estáveis e continuar produzindo .
6 SUPIOT, Alain. Gouvernance par les nombres. Cours au Collège de France (2012-2014).
Paris, Fayard, 2015. Para Dejours, a governança por números, de Supiot, expressa-se, do ponto
de vista subjetivo, pela « loucura da norma » que é a própria destruição das regras técnicas
e éticas do trabalho bem-feito. DEJOURS, Christophe. Ce qu’il y a de meilleur en nous:
travailler et honorer la vie. Paris: Payot, 2021.
7 DEJOURS, Christophe. A banalização da injustiça social. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV,
2000. DEJOURS, Christophe.Travail vivant 2: travail et émancipation. Paris: Payot, 2009.
Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12 Região | v.27 n. 36 2024
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