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dos entrevistados relataram já ter raspado (homens) ou alisado (mulheres) o cabelo para
              fazer uma entrevista de emprego ou ser aceito no ambiente de trabalho, o que reflete o
              posicionamento das empresas em relação à estética negra.
              Por isso, mudar o cabelo pode significar a tentativa do negro de sair do lugar da inferioridade
              ou a introjeção deste.

              Pode  ainda  representar  um  sentimento  de  autonomia,  expresso  nas  formas  ousadas  e
              criativas de usar o cabelo. Isso porque o racismo estrutural na maioria das vezes ocorre de
              forma velada e inconsciente.
              Chama-se, portanto, a atenção para a dificuldade em identificar os discursos racistas, quase
              sempre velados e carregados de justificativas e de negacionismo.
              Vale salientar que a identificação do caráter discriminatório da determinação do corte do
              cabelo ou aparência física aos seus empregados não depende da apuração da intencionalidade
              dos seus superiores que impuseram a restrição.
              Na maioria das vezes, especialmente numa sociedade que acredita viver uma democracia
              racial, é importante ir a fundo nas condutas para que seja, realmente, possível entender
              as motivações implícitas e, sobretudo, as consequências dessas ações que se projetam por
              toda a estrutura de relações que formam as instituições, seja família, igreja, empresas,   419
              partidos políticos, etc.

              Não é demais destacar a novel legislação aprovada nos estados da Califórnia, Nova York
              e Nova Jersey em 2020, apelidada Crown Act (Criate a Respectful and Open Workplace
              for Natural Hair, “crie um lugar de trabalho respeitoso e aberto ao cabelo natural”), que
              proíbe, nas instituições de ensino, a discriminação pelo tipo de penteado.
              Por fim, além de não ter sido alegado pela defesa, não há no processo nenhum elemento de
              convicção que indique que o estilo de cabelo da autora fosse, de algum modo, impróprio
              para utilização no local da atividade profissional exercida.

                       Impende reconhecer que as condutas ilícitas praticadas no
              ambiente de trabalho transgridem inúmeros princípios insculpidos na
              Constituição da República, notadamente os da dignidade da pessoa
              humana (CF, art. 1°, inc. III), dos valores sociais do trabalho (art. 1°, IV)
              e os direitos fundamentais inscritos no art. 5° e na legislação esparsa, e vão
              de encontro aos objetivos e princípios constitucionalmente nos arts. 3º,

              inc. IV, e 4º, inc. VIII, da CF.
                       O dano aqui é in re ipsa, o que dispensa a sua comprovação. De
              qualquer sorte, foi confirmado pela prova testemunhal.

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                                           Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12  Região | v.27 n. 36 2024
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