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SOBRE ANTÍDOTOS E VENENOS: AS METAS E O ADOECIMENTO DOS TRABALHADORES,
          OU COMO A COBRANÇA DE METAS TEM AFETADO ATÉ MESMO A SAÚDE DOS JUÍZES E SERVIDORES

          resistência à atividade conciliatória, por mais que os códigos venham a
          estimular essa prática, o que se agravou numa situação de pandemia.

                  Nos últimos dois anos, com o predomínio dos atos telepresenciais
          – principalmente as audiências –, o desgaste mental de juízes e servidores
          ampliou-se. Não raramente, observou-se a duplicação do tempo de
          realização desses atos, em razão de dificuldades tecnológicas e/ou práticas
          (incluindo a pouca aptidão das partes e dos auxiliares da justiça para
          o emprego das tecnologias telemáticas). Há, com efeito, dificuldades
          extremadas de participação de advogados, partes e testemunhas, o
          que mereceu considerações regulamentares específicas (veja-se,  e.g., a
          Recomendação n. 101/2021 do CNJ); e esse quadro claramente se agrava
          em um país de profunda exclusão digital, especialmente entre as ditas
          classes “D” e “E”, como é o caso do Brasil (nessas duas faixas, estima-se
          que apenas 48% das pessoas tenham adequado acesso à rede mundial de
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          computadores) . São inúmeros os atos a serem praticados: designações,
          redesignações, notificações etc. Houve um aumento descomunal de
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          advogados e do público em geral. Há pedidos de informações, exigências
          e uma infinidade  de comunicações, reclamações nas ouvidorias e até
          cobranças pelas mídias sociais. A capacidade de resposta, por outro lado,
          não se incrementou. Ao contrário, estacionou (em razão de limitações
          orçamentárias) ou, a depender da unidade, até mesmo se reduziu (em
          razão, e.g., dos adoecimentos, que muitas vezes é silencioso, mas renitente).
                  A propósito, em tese de doutorado defendida na Universidade
          Estadual  de Campinas  (Unicamp),  a juíza do  trabalho Claudia  Regina
          Reina  Pinheiro   identificou  inegável  correlação  entre  os  adoecimentos
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          de magistrados e o sistema de metas implantado no Poder Judiciário,



          12  Já na classe “A”, estima-se que 92% das pessoas usufruam de acesso digital adequado; e, nas
          classes “B” e “C”, 76%. Isso bem demonstra que a hipossuficiência econômica do trabalhador –
          que geralmente provirá das classes “D” e “E” – mais uma vez se realiza como óbice para o pleno
          acesso à justiça, agora no âmbito dos processos eletrônicos.
          13   PINHEIRO, Claudia Regina Reina.  O modelo gerencialista implantado no poder
          judiciário e o impacto na magistratura. Universidade Estadual de Campinas, São Paulo,
          2020, p. 189 e 326. O 1º coautor deste texto, Guilherme G. Feliciano, participou da respectiva
          banca de qualificação.
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