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SOBRE ANTÍDOTOS E VENENOS: AS METAS E O ADOECIMENTO DOS TRABALHADORES,
OU COMO A COBRANÇA DE METAS TEM AFETADO ATÉ MESMO A SAÚDE DOS JUÍZES E SERVIDORES
modelo taylorista, baseado no controle pari passu dos atos e tempos
dos trabalhadores do processo e na contabilização irracional de
scores numéricos, apenas potencializado pelas tecnologias de controle
eletrônico [...]” (g.n.)
Leia-se, por fim, o que destacou Maria Beatriz Vieira da Silva Gubert :
15
Números – em que pese importantes para a administração judiciária,
reconhece-se –, jamais poderão nos definir enquanto magistrados
ou pautar nosso trabalho no que tange à qualidade da prolação de
decisões. Lembremos dos jurisdicionados e das pessoas que estão por
trás dos processos. Para nós, é um processo dentre outros em que
atuamos; para o jurisdicionado, é o processo de sua vida.
Em suma, juízes e servidores têm suportado um sofrimento
incomum, por vezes desaguando em afastamentos e até em adoecimentos
mais graves, por não poderem cuidar adequadamente do processo do “Seu
João” e da “Dona Maria”. Não conseguem, por exemplo, destinar o necessário
tratamento diferenciado a casos singulares e de máxima dignidade – por
interferirem diretamente com a integridade física e mental dos trabalhadores
100 –, como são os casos de acidente do trabalho e doenças ocupacionais. Afinal,
nas pragmáticas estatísticas mensais, uma ação judicial que discuta pequenas
diferenças de FGTS não recolhidas, correndo à revelia do ex-empregador,
terá o mesmo “valor” que uma ação indenizatória em que se tenha em causa
a tetraplegia de um trabalhador após acidente de trabalho de alta criticidade,
ou ainda uma ação civil pública que pretenda obter alterações estruturais no
meio ambiente do trabalho para justamente impedir acidentes como esse.
A massificação compromete, enfim, a própria qualidade das
decisões. Se as cautelas e apreensões voltam-se quase exclusivamente à
produtividade e ao tempo médio das decisões, paulatinamente rarearão as
decisões judiciais bem fundamentadas. Buscar-se-á, por padrão, o limite da
mínima fundamentação, sendo tal aquele que não preordene futura anulação
em superior instância (CRFB, art. 93, IX; CPC, art. 489). E, de regra, serão
“preferíveis”, do ponto de vista gerencial, as sentenças de improcedência ou
de extinção sem resolução de mérito, porque são decisões de mais simples
15 GUBERT, Maria Beatriz Vieira da Silva. Elementos da sentença e dever de fundamentação:
reflexões pretéritas, atuais e futuras sobre o processo do trabalho, frente ao sistema de metas e à
inteligência artificial. In: 5 anos do CPC e sua Integração ao Processo do Trabalho. MELLO
FILHO, Luiz Philippe Vieira de; SILVA, Bruno Freire (Org.). São Paulo: Tirant Brasil, 2021.