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SOBRE ANTÍDOTOS E VENENOS: AS METAS E O ADOECIMENTO DOS TRABALHADORES,
OU COMO A COBRANÇA DE METAS TEM AFETADO ATÉ MESMO A SAÚDE DOS JUÍZES E SERVIDORES
Isso é tanto mais preocupante se levarmos em conta que, oficialmente
até 2022, estava em meio a uma crise sanitária pandêmica, de extensão e
efeitos imprevisíveis – discutindo-se, por último, os perigos da cepa ômicron
do SARS-Cov-2 –, que elastece sua sobrevida por muito mais tempo do que
o atinado. E, como é cediço, a pandemia impôs severa transformação na
forma da prestação dos serviços forenses. As audiências telepresenciais, que
tornaram possível a continuidade dos serviços judiciários, para além de seus
efeitos extremamente benéficos, têm também reflexos negativos: promovem
desconforto recorrente a juízes e servidores – bem como a advogados, partes
e testemunhas –, pelas mais diversas razões. Assim, por exemplo, porque o
tempo de realização dessas audiências tem se revelado infinitamente maior do
que o despendido nas audiências presenciais, inclusive pela pouca aptidão de
operadores e jurisdicionados com os recursos de tecnologia da informação
(valendo lembrar que, na Justiça do Trabalho, o “público” mais presente não
é, amiúde, o mais abastado econômica ou culturalmente). A pergunta óbvia
seria: metas de produtividade não deveriam ser relativizadas em meio a uma
pandemia? Não foram.
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Esse quadro revela, em nosso entendimento, um horizonte
inapelável: é preciso lançar sobre o modelo um novo olhar, ressignificado e
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humanizado. Já o dizíamos antes :
[...] Temos repudiado insistentemente uma “política de metas” que
reduza o juiz do Trabalho a um mero estafeta das superiores estatísticas,
cujo “merecimento” – inclusive para os efeitos da Resolução CNJ n.
106 – se mede em números, pela sua produtividade bruta, e em
disciplina judiciária, pela sua capacidade de reproduzir inteligências
pasteurizadas – o que reflete, afinal, uma vontade institucional malsã
de disseminar a mais profunda incapacidade de repensar e recriar
o Direito para acomodá-lo à justiça do caso concreto. Trataremos
disso, com ciência e minudência, em diversos painéis deste XIX
CONAMAT. Aqui está, em nossa opinião, um erro patético,
histórico, de que nos arrependeremos todos nas próximas décadas.
O maior bem de um juiz é a sua sensibilidade; o seu maior valor é a
sua humanidade. E, no entanto, estamos ensinando a insensibilidade
à Magistratura do porvir. Para julgamentos meramente lógicos não
precisamos de homens. Bastam os “softwares”. O juiz de corte
fordista-taylorista, imanente ao Judiciário-fábrica, é inexoravelmente
5 V., e.g., FELICIANO, Guilherme Guimarães. Discurso de Abertura. 19º Congresso Nacional
dos Magistrados da Justiça do Trabalho. Belo Horizonte, 2 a 5 de maio de 2018.