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S. Tavares-Pereira
e-conexão, sem conexão tecnológica. As contribuições do empregado ao
sistema empresarial chegam tecnologicamente. De onde? Não importa.
Interessa que a empresa operou, tudo viabilizado pela tecnologia.
No metaverso é diferente. A fábrica ganha ubiquidade virtual,
espraia-se para dimensões especiais, para recantos da realidade construída
onde ela é e está e onde se deve prestar o serviço. Atualmente, já se percebe
a fusão interpenetrativa das bandas física e virtual. O estabelecimento do
empregador, em geral associado ao sólido e inamovível, virtualiza-se. Sem
estar lá, ainda que virtualmente não se está na empresa e nem se pode prestar
o serviço. É necessário rever a antiquada ideia de que cada um é um eu único
(físico e psíquico) e de que, “se meu eu está em algum lugar do espaço-tempo
cartesiano”, então meu corpo físico seguramente está neste lugar: corpo e
espírito/mente agarrados um ao outro, num acoplamento inquebrável.
A antiga discussão filosófica a respeito de mente e corpo sempre
esbarrou na impossibilidade prática de separar esses dois componentes. Eu
sou eu e as minhas circunstâncias (Ortega y Gasset) quer dizer: sou meu corpo 277
e minha mente, o meu eu, e mais o que está no entorno dessa dualidade
inseparável. O “meu eu” sempre foi o último estágio analítico de mim mesmo,
além do qual já não se está mais. Se houver mais uma divisão (análise), não
há processo sintético capaz de refazer o eu.
Imagine-se aquela figura fictícia do filme Matrix, do corpo físico
estendido e inerte na maca, com um plug atrás da cabeça pelo qual escapa
(sai) o eu liberto do aparato físico, o eu desbastado do pesado hardware que
suporta a mente, o eu sem corpo, o eu virtual: ela é a imagem que ganha certa
concretude nas visões atuais que a categoria metaverso transmite. Tem-se uma
parte que não consegue ir ao espaço digital. Servem os avatares, por ora.
A outra, o sistema psíquico, sim. Ela se transporta para a banda virtual do
mundo, levando consigo todas as qualidades (e defeitos) que a caracterizam.
Isso parece filosofia essencialista e vazia, uma verdadeira perda
de tempo. Sob ótica sistêmica, entretanto, as impossibilidades práticas
da tecnologia para gerar algoritmos autopoiéticos estruturalmente
abertos, que operem em meio ao sentido (máquinas virtuais causalmente
abertas), torna imperioso o apropriar-se de qualidades não emuláveis dos
sistemas psíquicos. Se se quer uma replicação virtual de sistemas sociais
a
Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12 Região | v.27 n. 36 2024